No longo trajeto fluvial da rota das monções, rumo as minas aurífera de Cuiabá e Mato Grosso, havendo pouquíssimos pontos de reabastecimento de alimentos, o grande desafio era provisionar e transportar os alimentos nas embarcações em meio a passageiros, tripulantes e cargas diversas das canoas.
Acomodação das cargas nas canoas
Nos primeiros anos, os monçoeiros viajavam em canoas que não tinham cobertura protetora às intempéries. Na primeira chuva torrencial, perdiam-se os mantimentos, que molhados, mofavam e se deterioravam. Muitos passaram necessidades e muitos morreram de fome.
“Chegaram as gentes de povoado este anno com as fazendas podres, pois não sabiam ainda toldar as canôas; morreram á fome muitos pelo caminho (sic)” (Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
Canoas com toldos e canoas sem toldo (canoa de montaria)
Outra grande dificuldade era levar alimentos não perecíveis e de fácil acomodação, pois os espaços reservados as cargas eram pequenos. Quando em 1751 o vice-rei do Brasil ao fazer a viagem, reclamou bastante por não poder transportar seus alimentos preferidos e em quantidade suficientes para o longo período que andou navegando:
“ sempre vos há de fazer dificuldade que em tão pouco se acomodasse o mantimento que haviam gastar 190 homens em 5 meses” (Noticia 6ª Prática – In Taunay – Relatos Monçoeiros).
O alimento era preparado normalmente a noite quando a monção parava para repousar. Utilizavam os barrancos a beira dos rios ou os bancos de areia nos rios assoreados, como no caso do rio Taquari. Cozinhava-se o suficiente para o jantar e para o almoço no dia seguinte. Evitava-se deixar sobras para o outro dia, pois se corria o risco, em função das altas temperaturas, de se perder o alimento armazenado.
Cozinha monçoeira
Os principais produtos alimentícios à época eram o feijão, o toucinho e a farinha de milho. O feijão crú era armazenado em sacos, podendo ser guardado por longo período. O toucinho defumado se bem preparado, não corria o risco de estragar, o mesmo acontecendo com a farinha de milho torrada. Estes alimentos podiam ser acomodados com facilidade e tinham boa durabilidade.
“Durante a viagem se costumava cozinhar à noite, o que há de comer no outro dia e porque se não pode acender fogo ao jantar se come frio o feijão cozinhado de véspera” (JUZARTE in Relatos Monçoeiros)
"Tralha" de cozinha monçoeira
Nas monções o equipamento básico de cozinha era transportado em um jacá feito de bambu. Nele transportava-se dois caldeirões de ferro, pratos e colheres de estanho. A trempe era formada por três ferros, sendo dois para serem fincados no solo e um como travessa para pendurar os caldeirões. Dentro do jacá era armazenado o “saco de trem”, que consistia em um saco de algodão grosso, com mais saquinhos dentro, onde eram guardados o feijão, a farinha de milho, sal, alho e o toucinho defumado ou a carne seca.
A alimentação básica das monções era chamada de “virado paulista”, pois embora o feijão com toucinho fosse acomodado, em separado da farinha e da carne de caça ou peixe, com o balançar e chacoalhar das embarcações ou das andanças nas travessias ou varadouros, esses ingredientes eram revirados e misturados, surgindo assim a denominação de “virado paulista”. Este nome remonta aos bandeirantes, desde tempos anteriores quando a vasilha de alimento era conduzida no lombo dos animais.
“O virado paulista de feijão era o grande recurso dos monçoeiros;a famosa mistura de feijão preparado com toucinho e farinha. A farinha de milho predominava muito sobre a de mandioca” (TAUNAY).
A pesca em canoa de montaria proxima a antiga cachoeira da foz do rio Quexeim (Coxim)
Haviam nos comboios as canoas de montaria utilizadas para seguirem a frente da tropa, nas quais iam caçadores e pescadores, responsáveis por abastecer a monção com carne de peixes e animais silvestres. Alguns traziam em balaios, algumas galinhas para montarem um plantel nas terras novas, mas dependendo da situação, elas também serviam de alimento.
“O que procede constar esta [refeição] de feijão e toucinho e algumas galinhas só para os doentes de maior perigo” (D. Rolim de Moura – In Relatos Monçoeiros).
Jacá para o transporte de galinhas
Quando alguma personalidade importante embarcava, a custa de muito dinheiro, incluíam no cardápio alguns regalos e gulodices como o caso do Governador Capitão General da Capitania de São Paulo:
“Ainda para minha mesa este era o fundamento [virado paulista], porque o mais que levava de paios, presuntos, biscoitos e carne de vinha d’alhos, era a proporção que as canoas podiam, e não do que era preciso” (Conde de Azambuja apud Taunay – Relatos Monçoeiros).
Como é hoje para os menos afortunados, comer somente arroz com feijão, nas monções era apenas o feijão com carne seca. Passar três ou quatro meses comendo feijão com carne seca no café da manhã, no almoço e no jantar, tornava se enjoativo e pouco apetitoso
“Apesar de ser quase intolerável o comer feijão e carne seca logo ao romper do dia, fizemos honra ao caldeirão, que nossos companheiros chamavam – boia”(Joaquim Ferreira Moutinho 1869).
Nas expedições monçoeiras pelos rios Coxim e Taquari, na atualidade, encontram-se restaurantes ribeirinhos apenas na área urbana do município. Nos locais mais distantes, através do arranjo produtivo de base comunitária, os viajantes fazem refeição em casas de ribeirinhos, saboreando a tradicional comida caipira (Slow food) preparada como antigamente, nos fogões de lenha.
Quando a região visitada não possui pontos de apoio, a equipe responsável pela expedição, organiza uma equipe de cozinha, que em embarcações a parte, seguem a frente com seus petrechos a preparar as refeições em determinado ponto do trajeto.
Na incursão do projeto de resgate do patrimônio cultural da rota das monções, a responsabilidade do preparo das refeições coube a Mamma Pantanal (Jane de Paula) e seus colaboradores, Vanessa Graça e Felipe G de Paula (detalhe da foto), utilizando o refeitório do pesqueiro localizado as margens do rio Taquari, pertencente ao senhor Gilberto Branco, prepararam saboroso cardápio com frango acebolado, arroz, feijão preto e salada.
Mamma Pantanal coordenando a preparação da refeição monçoeira
Cardápio monçoeiro
Frango acebolado de Mamma Pantanal
Mestre Gilberto , pescador profissional, perito na arte de confeccionar canoas de alumínio.
A chefe de cozinha Jane de Paula conhecida como Mamma Pantanal e sua auxiliar Vanessa Graça, tem ao longo de alguns anos atendido turistas europeus, que por aqui aportam para conhecer o pantanal e a Rota das Monções. Mamma Pantanal, além de chefe de cozinha é talentosa escultora ceramista e com seus dotes artísticos, tem ao longo de 25 anos contribuído com o programa Rota das Monções não só com a organização do cardápio de grandes expedições, mas também com o preparo dos figurinos e indumentárias que durante longo período integraram o guarda-roupa das equipes monçoeiras.
Mamma Pantanal e os figurinos das monções.
Navegar pelos rios pantaneiros na rota da monção, conhecer a morraria dos Cavaleiros Guaicuru e o ponto no rio Taquari onde atravessavam com seus rebanhos, visitar uma baia do pantanal, onde no passado as monções poderiam sofrer o ataque dos canoeiros Paiaguá, esperimentar a saboraso galinha acebolada de Mamma Pantanal, é sem dúvida alguma uma forma emocionante de reviver a história do Brasil.
Para completar a expedição, sob um calor de quase 40 graus, nada melhor do que um refrescante banho nas águas em que os pantaneiros hoje chamam de corixo ou curixo. O ribeirão do salto, ao passar pela baia do Barranco Vermelho é um dos últimos afluentes do rio Taquari, pois o caudaloso rio ao penetrar no pantanal apenas deflui, espalhando suas aguas pela planície, ao que os monçoeiros antigos chamavam de sangradouros.
A equipe do projeto e os convidados especiais refrescando-se no curixo da baia do Barranco Vermelho.
Passeios pela rota das monções, hoje são comercializados em agencias da Holanda e Itália. Quem interessar em refazer parte do trajeto das monções, pode adquirir os produtos através de agencia de turismo especializada (South Pantanal Tours & Expeditions). vale a pena conhecer.
“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”
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